É do foro popular a ligação do “sagrado” à religiosidade. Mas, o sagrado, em conceito amplo, não se esgota estritamente no religioso. Existem espaços, objetos, momentos da nossa história de vida a que nós atribuímos uma “sacralização”, por qualidades e razões que são nossas, que nos são peculiares. É evidente que este “sagrado profano” diverge do “sagrado religioso”, quanto mais não seja no tempo e na dimensão, já que o primeiro é pessoal e efémero, contrariamente à temporalidade milenar e tendencialmente eterna do sagrado religioso e ao sentimento pessoal e coletivo com que é venerado. Este encerra uma dimensão sublime na sua transcendência ao divino.
Declaradas as devidas diferenças, já me sobram à vontade e coragem para, de um meus autoconstruídos “sagrados”, falar. Precisamente o da “Fonte dos Amores” em Vila Cova. Não será a primeira vez a que a ele me refiro neste nosso “Miradouro”. Mas, para os que dele nada sabem aqui vai um breve historiar.
À Fonte dos Amores, naqueles anos “60”, só se lhe acedia por barco. Saídos do Salgueiral em direção ao Porto de Avô, umas remadas acima da Ponte, e na margem esquerda do nosso idílico Alva, lá estava aquele recatado pedacinho, onde esguichava um fio de água. Água fresca e purinha. Mas, não só. Dizia-se que tinha efeitos superiores. Ou seja, quem dela bebesse, era certo e sabido, se com a namorada (ou namorado) se fizesse acompanhar, ficaria trespassado pelas setas do cupido para toda a vida. Ora aí está! O mito e o rito associados à sacralização do espaço.
Há dias, em conversa com um dos da “Malta”, recordávamos tempos de juventude nas férias escolares passadas em Vila Cova. E nas passeatas da memória, lá fomos até à Fonte dos Amores.
-Gostava de lá voltar, beber umas goladas daquela água, dizia-me ele. Mas ouvi dizer que aquilo está inacessível, continuou. Mato e mais mato…
-Mas o que é que lá ias fazer? retorqui-lhe. Enamoramentos nesta altura?
-Isso não, respondeu-me. De amores estamos falados…é viagem feita e sem retorno… mas, sabes? Tenho consagrado na memória aquele espaço.
Fizemos um silêncio, interrompido pelas palavras desfraldadas que lhe ouvi:
-Fonte dos Amores? Amores já se foram e a Fonte será que ainda existe?
Novo silêncio. Até que:
-Nesta nossa atual etapa da vida, talvez o melhor seja “Fonte das Saudades Sagradas”!
Nuno Espinal