Era puro, purinho, de tão puro que em tudo acreditava, bastava dizerem-lhe. Por todos era estimado e notava-se-lhe felicidade, naquela ausência de saberes e responsabilidades.
Soldado básico, os recados eram a sua única função. Tinha ainda assim um nome pomposo, Xavier Cerdeira.
"Então Cerdeira, vai ou não?"
"Cá estêmos, mê alferes, cá estêmos - era a resposta que sempre dava.
Um dia a maltosa levou-o a um bordel. Cheiro a álcool a tresandar, muitas gajas quarentonas, algumas brancas, pelos na beiça e nos sovacos, mulatas e pretas do mais chungoso, mesas e cadeiras, no meio uma pista de dança, chão em oleado de um azul cheio de riscos e nódoas, músicas de Nelson Ned, um tal Alberto Cortez, de bigodinho argentino na capa do disco, e até o conjunto de Maria Albertina e uma música, tocada à exaustão, o “soldado que vais para a guerra”.
Mas lá se dançava, mãos nas bundas, algumas de volumes a extravasar para umas três ou quatro réplicas de normais proporções.
Lá arranjámos o arranjinho, já fisgado, confesse-se, para que o Cerdeira, já bebido, se roçasse numa daquelas amostras de pretensas beldades e na rifa lá lhe calou um dos potes mais banhudos ao dispor.
O Cerdeira entrou no céu. A transbordar de álcool, olhos cintilantes e esgazeados de prazer, mãos loucas a tactearem aquela imensidão de bunda.
Foi então… então ouvi-lhe, ouvimos-lhe todos, uma das mais inflamadas declarações de amante em absoluta rendição.
“Oh menina, xabe? A menina tem uns “jólhos” tã lindos!...
Os olhos miúditos da mulata já “entradota” tremelicaram, esborratando mais o rímel prateado às carradas e as pestanas postiças engordoradas que lhe apalhaçavam a cara.
A partir daí, o Cerdeira perdeu o seu santificado nome e ganhou, por diabólico crisma, um outro nome.
A partir daí não mais deixou de ser o Sr. “Jólhos”
Nuno Espinal