Um fim de tarde aprazível, a reclamar o afecto de um espaço conforme a um estado de espírito ameno.
E foi assim que me acoitei num recanto de seixos e verdura a marginarem o Alva.
Olhei fartamente o rio. E, na solitude, as memórias emergiram â tona de um leito a convidar folhas secas a um suave deslizar.
Tudo tão sereno, tudo tão espiritual!
Mas, ao jeito de contraste, surge um prosaísmo a dominar as recordações.
Prosaísmo inspirado no Alva!
Sim, no Alva.
É que, naqueles meus tempos de estudante, quando cursava o segundo ciclo dos liceus, sempre me intrigaram certos fenómenos da Física que, amiúde, beliscavam a minha curiosidade.
Qual o porquê de boiar quando estendido de costas para o rio? E qual a razão do barco a remos “S. Jorge” (do meu primo Jorge Gonçalves) não ir ao fundo?
A explicação colhia-a no velho livro de Física, sustentada no tão badalado teorema de Arquimedes, que nunca esqueci: “todo o corpo mergulhado num líquido sofre da parte deste uma impulsão vertical de baixo para cima igual ao peso do volume de líquido deslocado.”
Ou seja, se um corpo tiver a sua massa distribuída por um maior volume, isto faz com que a sua densidade possa ser menor do que a da água, permitindo assim a sua flutuação.
Mas, outros fenómenos recordei.
Por exemplo, a refração da luz na água, que distorce a direção ou o volume dos corpos, quando mergulhados na água.
Ou as leis do movimento dos corpos, da autoria de Newton, quando eu desafiava as minhas habilidades e lançava um seixo espalmado e redondo em rasante às águas do rio, proporcionando-lhe saltos até desaparecer em mergulho.
E mais fenómenos me iam surgindo, numa multidão imensa de recordações.
Afinal, o Alva, um laboratório experimental.
Até que…
Reparei no sol, alaranjado, pronto a mergulhar no abismo que nos traz a noite.
Que quietude contagiante. Nada bulia, como se numa tela toda a profusão da Natureza estivesse estampada. O sol, com a sua pronunciada auréola, adensava-lhe um sentir romântico.
Que transmutação sublime! Da prosa ao poético.
E neste cenário lírico, facilmente fui tentado a uma certa inspiração.
Silenciosamente, no silêncio do anoitecer, declamei um velho poema meu, ao Alva dedicado.
Rio Alva, rio meu,
Que tanto me espelhas o céu!
Dominador,
Imperial!
Inundas-me a memória,
Sedenta de áureos tempos.
No teu leito, a minha história,
Em pedaços, em momentos.
E em recanto sensual,
Alva, sem igual,
Ensinaste-me a conjugar,
Em fulgores, rumo ao mar,
Meus amores, meu amar…
Nuno Espinal