Tornemos ao Cepo de Natal da Praça. Alguns dos leitores do Miradouro consideraram-no um “perpetuum” da tradição. Comentários como a “tradição ainda é o que era”, foram convictamente referidos por alguns.
Terão as suas razões e há que as respeitar.
Porém, permitam-me a minha, com a garantia de que todas as que nos chegarem serão de igual modo publicadas.
Não considero, nos últimos anos, o arder do Cepo em Vila Cova, como uma manifestação que se inscreve no perpetuar da Tradição. É sim, para mim, uma recriação da Tradição. Não é um “continuum”, que se manifesta em cada ano, algo que naturalmente acontece, mas sim uma intermitência, tão pouco concretizada com regularidade.
Para além do mais, há todo um envolvente social que se desvaneceu e retirou a ambiência típica que se ligava ao arder do cepo.
Logo que terminada a Missa do Galo, a muita gente, que na Matriz tinha estado presente, dirigia-se à Praça onde o Cepo já ardia. Aí muitos eram os que, em torno do braseiro, permaneciam por largo tempo, mãos estendidas ao conforto do calor.
Ora, a Missa do Galo já há muito que se não realiza e, daí, o Cepo deixou de contar com todos aqueles que dela regressavam.
Por força de hábitos impostos pela globalização, a noite de natal passou a ser festejada em núcleos familiares, à volta de mesas abastadas.
Na já madrugada de domingo passado, em plena noite de natal, eu e o António Simões (Casa do Convento) demos um salto, cerca da 1 hora da manhã, à Praça, a fim de vermos o Cepo a arder. Encontrámos apenas dois jovens que, laboriosamente, iam ajeitando as brasas ainda em fase debutante. “Pouco depois da meia noite ainda se formou aqui um grupo, mas minutos depois foi-se tudo embora”, disse-nos um deles. E continuou: “há gente de Vila Cova que foi passar a noite em Coja e Arganil, em casa de familiares. E outros ainda, neste período, estão em Lisboa e Coimbra”.
Considerando a atualmente diminuta população de Vila Cova, maioritariamente idosa e o frio intenso que fazia, tudo junto explica este crepitar quase solitário do Cepo, a contrastar com tempos gloriosos em que, ininterruptamente, era um ícone imprescindível em cada noite de natal.
Nuno Espinal