O cartaz do “IX Encontro da Malta”, da autoria de Henrique Gabriel, conduz-nos, de imediato, a um acontecimento (ou um conjunto de acontecimentos), com incidência na década de sessenta e que deixou registos na história, vulgarmente referidos como “the sixties generation”.
A expressão é aqui propositadamente escrita em língua inglesa e por uma razão: os ícones expostos no cartaz aludem, expressamente, ao movimento social e político de uma geração jovem, ocorrido, de início, nos Estados Unidos da América, originalmente marcado por protestos contra a guerra no Vietname e contra a Guerra Fria, ao mesmo tempo que era contestado o padrão de vida vigente, baseado em valores morais que não se adequavam à própria evolução das mentalidades nos tempos. O movimento propagou-se ao Reino Unido e a outros países da Europa, alimentado pelo desejo de uma nova ordem mundial, que debelasse estigmas que se reportavam a temas como a liberalização sexual, o feminismo, o racismo, a desigualdade e discriminação entre classes sociais, as questões ambientais e ecológicas e a uma atitude antiguerra, que tinha consagração na máxima “love and peace”.
Na segunda metade dos anos sessenta, a dimensionar estes movimentos, surgem os hippies, assumidos como o expoente máximo da “contracultura” da época, que se agrupavam em comunidades, cujas bolsas espaciais se espalhavam maioritariamente nos EUA, mas também, com presenças significativas no Reino Unido e Países do Norte da Europa e ainda em outras partes do Mundo. Incutidos de uma filosofia de vida muito específica, baseada, sobretudo, no pacifismo, no naturalismo, na ecologia e no anti consumismo, os hippies eram fumadores de ervas e com experiências em outras drogas, que os transportavam a estados psíquicos alucinatórios, manifestações delirantes da mente, denominadas de psicadelismo.
Estes são, muito em síntese, alguns traços ideológicos caracterizadores deste, ou destes movimentos sociais e políticos dos anos 60, implícitos no cartaz, em visão minimalista, com os respetivos ícones representativos, como o símbolo da paz e a carrinha, tão grata aos hippies e para eles uma imagem de marca, decorada de flores, em sugestão à natureza e pela profusão de cores, em insinuação psicadélica.
Face aos acontecimentos referidos, surge uma pergunta que, de resto, me foi formulada por alguém: estes movimentos, dos anos 60, sugeridos no próprio cartaz, tiveram repercussão em Portugal, com a juventude portuguesa, a ponto de serem vividos com alguma intensidade? Era esta a ideologia dos jovens da Malta que nos anos 60 passavam férias em Vila Cova?
Protagonista que fui, face ao meu estado de jovem, nesses anos de 60, é minha convicção, passados 50 e mais anos desses momentos da história, que havia um vazio ideológico, no sentido mais restrito e político da expressão, em quase todos nós, devido ao regime então vigente no país, que nos remetia à ignorância de visões mais avançadas, em uma normal condição de “homo politicus” e de ser pensante em liberdade. Em especial, nos primeiros anos da década de sessenta, nós, jovens, em Portugal, pouca ou nenhuma consciência teríamos do que se ia passando no mundo e as informações que poderíamos receber, veiculadas pelos órgãos de comunicação social, sofriam o crivo da censura, pelo que nos distorciam a realidade dos factos.
Mas, malgrado esta realidade, os jovens portugueses e. concretamente, os citadinos e, especialmente, os que residiam em cidades onde existia o ensino universitário, foram ganhando certas consciências do desajustamento de valores atávicos que os arautos da sociedade continuavam a impor. De pormenores comportamentais e de atitudes de algum modo insurgentes, emergia uma “contracultura”, não organizada, mas espontânea, mas que haveria de criar alicerces para mais tarde, aí sim, já de forma amadurecida, agir plena de consciência política, em sede universitária, como a crise académica de 69 em Coimbra ou a célebre final da Associação Académica de Coimbra no Jamor, em 69, que veio a constituir a maior manifestação antirregime, alguma vez realizada antes de abril de 74.
A juventude portuguesa haveria, afinal, de se afirmar no quadro do movimento mundial dos jovens da geração dos anos sessenta, ainda que em tempo mais tardio e em ações, das tidas como de monta, muito localizadas e isoladas e nem sempre coincidentes em métodos, modos de procedimento e razões que as geravam, comparativamente a movimentos de outras localizações.
Sujeitos a circunstâncias específicas próprias, os jovens portugueses não deixaram de partilhar o sentimento e espírito de mudança, que marcaram, em todo o mundo, a já histórica “geração de sessenta”.
Nuno Espinal