“No tempo da miséria…”
Eis uma frase por vezes invocada e que marca um tempo.
Desse tempo, por vezes, não me furto às saudades. Mas atenção: Não saudades desse tempo. Saudades, isso sim, de momentos desse tempo. E não mais do que isso: Glorificar esses tempos, só de tolice, estupidez ou maldade.
Tempos dos carros de boi, das ruas cheias de bosta, do pé descalço, de uma só sardinha dividida por três, do Povo na sua condição pobretana e simplória…
Daí que sejam sábias as palavras de Agostinho da Silva:
/…/Amam o povo, mas não desejariam, por interesse do próprio amor, que saísse do passo em que se encontra; deleitam-se com a ingenuidade da arte popular, com o imperfeito pensamento, as superstições e as lendas; vêem-se generosos e sensíveis, quando se debruçam sobre a classe inferior e traduzem, na linguagem adamada, o que dela julgam perceber; é muito interessante o animal que examinam, mas que não tente o animal libertar-se da sua condição; estragaria todo o quadro, toda a equilibrada posição; em nome da estética e de tudo o resto convém que se mantenha. /…/.
Nuno Espinal