Vasculho textos de “Comarcas de Arganil” antigas e surpreende-me, para além do nível e qualidade da escrita, a desenvoltura e elegância com que a análise política era discutida, dando azo, frequentemente, a um exercício cavalheiresco do contraditório.
Na edição da Comarca nº 1615, de Janeiro de 1930, lêem-se, em artigo desenvolvido, na primeira página, pela pena do Dr. Fernando Vale, os seguintes excertos:
/…/Para mim o regime republicano é, no momento actual o que melhor se coaduna com as necessidades sociais, aquele que há-de preparar os povos para um futuro mais belo. /…/
Urge levantar o moral deste povo atormentado, que continua sem pão para a boca nem alimento para o espírito, só e abandonado às suas dôres. /…/
Na edição seguinte da Comarca responde-lhe um tal Dr. Alípio Barbosa Coimbra:
/…/O dever de todos os republicanos/…/ é deixar trabalhar em sossego o homem extraordinário que a Providência pôs à frente dos negócios públicos /…/.
Ora o homem extraordinário a que o Dr. Alípio Barbosa Coimbra se referia é Salazar. Salazar que era nesta altura Ministro das Finanças, mas que já urdia todo um enredo, eliminando os que não o cortejavam e promovendo “homens de mão”, conducente à sua “entronização” como Chefe de Estado
Prevenido e arguto, o Dr. Fernando Vale já predizia, na perspicácia política que sempre o caracterizou, apesar da sua jovem idade na altura, o espectro da ditadura salazarista.
No artigo da “Comarca” são suas estas palavras:
Creio no triunfo da Justiça!
Creio no triunfo da Verdade!
Creio na Liberdade que é a garantia do Espírito e da Inteligência, que é a própria Natureza Humana!
Salazar veio a ser Chefe do Estado e baniu de vez os mais genuínos ideais republicanos. Mas, a voz do Dr. Fernando Vale foi uma das que se manteve sempre na luta pelo triunfo da Justiça, da Verdade, e da Liberdade.
Nuno Espinal