A reação do edil máximo de um município alemão, quando se dispunha à reconstrução da sua cidade, completamente em escombros, após os potentes bombardeamentos dos aliados na contenda da segunda guerra mundial, é bem elucidativa do significado da força do património cultural de um povo.
Dizia o edil, segundo o relato que tive oportunidade de ler, numa revista política francesa, traçando planos e propostas para a reedificação da sua cidade:
"O patrimônio é a herança que recebemos dos nossos antepassados, com que vivemos hoje, e que doamos às gerações futuras. A reconstrução do nosso majestoso edifício de espetáculos, totalmente destruído, é a primeira medida que vou tomar, porque quero dar alento à alma do povo, neste momento destroçada. O povo há-de reerguer-se com o ânimo do seu legado cultural, expresso nas suas tradições, nos costumes, nas artes dos espetáculos."
Vem este caso a propósito do espetáculo da Carminho em Arganil. Grande espetáculo, acrescente-se, que cativou uma assistência nunca antes vista na Praça Simões Dias. Apesar do êxito que retumbou, não houve quem se dispensasse a comentários críticos, alegando o preço investido no espetáculo (afinal nem foi assim tão caro) face à crise que vivemos. Antes de mais uma observação. Viva a liberdade de opinião. Mas, por isso mesmo, não me furto à crítica a estes críticos. Manifesto, para com eles, a minha discordância. Se levantamos a voz em defesa da reconstrução do Teatro Alves Coelho, em Arganil, se opinamos contra a barbaridade das obras da escadaria da Igreja do Convento, em Vila Cova, considerando que valia mais, mesmo com gastos maiores, outra opção que valorizasse o património e a história daquele conjunto histórico, então, em abono da coerência, aplaudamos a ação do município, ao dar-nos a possibilidade de ouvir e ver uma das maiores intérpretes da atualidade de uma expressão cultural que é nossa, e que se chama Fado. Fez-se cultura, defendeu-se o Património, ainda que Património Imaterial, mas não menos Património.
E mais não digo. Deixo, em jeito de reflexão, a atitude do edil alemão, com todo o peso pedagógico que contém. Só mais uma achega ao finalizar. Para que não subsistam interpretações enviesadas, este autarca era um confesso antinazi.
Nuno Espinal