Ouço uma morna de Cesária Évora. A propósito:
Já lá vão uns vinte e cinco anos quando pela primeira vez estive em Cabo Verde. Uma noite, no Mindelo, fui levado a um bar onde atuava Cesária Évora. Descalça, um copo já a mais, cigarro permanente entre dedos, Cesária exibia uma voz divinal, quente, que agarrava.
Já em Lisboa, um amigo meu cabo-verdiano, convidou-me para ir até ao Bairro da Graça, a uma festa de naturais do arquipélago, onde Cesária iria estar presente. Acedi sem hesitações, apesar de já ter um bilhete comprado para um espetáculo de bailado no S. Luís.
Para não perder dinheiro, resolvi, antes de ir para a Graça, deslocar-me ao S. Luís a fim de vender o bilhete. Quando à porta daquela sala de espetáculos, um conhecido meu abeirou-se em alta vozearia, para que todos o ouvissem:
“Nuno, folgo muito em ver-te aqui. Não te conhecia como fã de tão nobre arte. Sim senhor, os meus parabéns”.
Talvez, por um impulso, respondi-lhe: “Não, estás enganado, vou a um espetáculo sim, mas não é este. Vou ver a Cesária”.
Surpreso logo me perguntou.
“Cesária, o que é isso?”
"É uma cantora cabo-verdiana, de mornas e coladeras”.
"O quê? Trocas este espetáculo por uma coisa de pretos?”
Incomodado, nem lhe respondi e fui à minha vida.
Anos mais tarde Cesária Évora ganhou nomeada internacional. Tudo começou em Paris. Os franceses reconheceram-lhe talento e a partir daí o seu nome começou a ser badalado em todo o mundo da música. Convites e mais convites e atuações em salas nobres. Veio ao S. Luís e uma vez mais decidi-me a ir fruí-la.
Então não é que o tal indivíduo estava lá outra vez? E logo que me viu, lá veio ter comigo com a mesma exuberância.
“Nuno, folgo muito em te ver aqui. Vais assistir a uma grande espetáculo. World Music, World Music… Esta mulher é divinal. Sim senhor, os meus parabéns pelo teu interesse na cultura. Cultura etno".
Mentalmente mandei-o logo à merda. Grande cretino!
Nuno Espinal