Um dos cartazes mais elucidativos do Estado Novo, num dos seus períodos de maior afirmação, é o que correlaciona Salazar, e o seu pensamento, com o conceito próprio de família, neste caso, graficamente e superiormente definidor.
O pai, chefe de família, trabalhador, a mãe, nas lides domésticas, o filho, livros escolares na mão e a filha, com brinquedos que representam o lar e tarefas tipicamente femininas.
A cena passa-se em ambiente rural, a antítese do ambiente potencialmente pecaminoso das urbes citadinas, e tudo se conforma à trilogia “Deus, Pátria e a Família”. Repare-se no pormenor do crucifixo na parede da casa, na indumentária do rapaz, calcas castanhas e camisa verde (mocidade portuguesa) e na associação de todo este ambiente a Salazar e consequentemente ao Estado Novo e à Pátria. Até à volta da mesa, cadeiras e bancos a marcar a hierarquia de pais e filhos.
Este conceito de família foi obviamente criticado, atacado e basicamente ultrapassado, naquelas características, pelas condições sócio económicas e políticas temporalmente advenientes, em especial no período posterior ao 25 de Abril.
Contudo, o fenómeno não foi exclusivamente português, apesar de o termos vivido com nuances muito próprias, face às condições e ambiências dos nossos atrasos económicos, sociais e culturais daqueles anos, vividos sob a ideologia do “Estado Novo”.
O sociólogo Castells disse em estudos publicados há uma dezena de anos:
“ O modelo de família de núcleo patriarcal é uma realidade para pouco mais de um quarto dos lares norte-americanos e a versão mais tradicional do patriarcalismo, ou seja, os lares de casais legalmente casados e com filhos em que o único provedor é o marido, enquanto que a esposa se dedica ao lar em tempo integral, a proporção cai para 7% do número total de lares...”
Fiquemo-nos por aqui nesta abordagem ao conceito que sobre a Família pode ser formulado, e de que existem estudos em profusão, dissecados em diversas ideologias, por pensadores com autoridade e saberes reconhecidos.
E se aqui hoje falo da família é porque gizei uma série de imagens, associações e representações, depois de ter vivido, ontem, um momento especial, em casa de meu irmão, em Santarém.
Juntou filhos e netos, que são muitos. Juntou familiares dos afins, por força de casamentos dos filhos. Juntou amigos, ligados à nossa Vila Cova (o meu primo Jorge Dias, o velho Toneca, o Alberto e a Elsa). Cantou-se o fado, fez-se magia. Saboreou-se tigelada, levada expressamente de Vila Cova. Evocaram-se antepassados. A noite a avançar e a corrente de afectos e emoções. A família, sentimento, os amigos. A ideia de família, não a egoística, fechada, atomizada, a hostil. A família como espaço único, de laços de sangue, torrente de afectos. Mas a família projectada na sociedade, a família aberta ao mundo…
Nuno Espinal