Poderão achar muitos leitores que o título deste apontamento (Amália e Severa por um lado e Joaquim Leitão e João Brandão por outro) concitará, na associação dos pares de nomes, pouca concordância ou até um certo ilogismo.
E de facto, se retirados do contexto deste apontamento, é de todo o acerto tal conclusão, em especial se destacarmos os termos Amália e João Brandão.
Amália e João Brandão? - perguntar-se-á. Que raio é que têm a ver, ou em comum, um com o outro?
De facto nada. Apenas o facto de serem portugueses e beirões. Mas isso, sendo destino de milhões e milhões, acaba, pela banalidade, de ser em absoluto irrelevante.
Então qual a razão?
Ora, no texto abaixo estará a resposta. Vamos então por partes:
Aqui há uns anos tive o grande privilégio (um grande privilégio) de ter entrevistado Amália Rodrigues. Sobre esta entrevista já a referenciei neste “Portal” e os fãs de Amália, se interessados, têm à sua leitura acesso no espaço “Opiniões”.
O que me leva a trazê-la a este apontamento é tão só um dos momentos dela retirado e que traduz um sentimento de Amália, uma sua curiosa forma de sentir e dizer:
«Pelo que me dá a perceber é muito dogmática nas suas próprias verdades…
-(Amália sorri) - Há uns vinte anos fiz uns versos que diziam: “Ai de mim que vou vivendo/Ai, este mundo de desespero/Ai, tudo o que não entendo/Ai, o que entendo e não quero.” Julgo que aqui digo tudo. Aquilo que eu não quero entender não vale a pena eu não entendo. Dizem que a Severa morreu de uma ingestão de borrachos. Para mim, morreu foi de amores. Mas que não, que morreu foi de indigestão. Não gosto! Para mim o bonito é ter morrido de amores…»
Passemos agora ao conto de Joaquim Leitão, no qual é destacado o temor de João Brandão perante a valentia, coragem e envergadura física de um vilacovense de nome João Antunes. Lê-se, em algumas passagens, do conto:
«De feito, João Antunes era parelho! Se não tinha exactamente tanto de largura como de altura, as pernas de caçador, o tronco, os braços, a própria máscara repassavam a força e a maleabilidade grega. Ágil como a luz, quanta vez ganhara a aposta de, marinhando pela cantaria da Misericórdia ir lá acima tocar a campa!»
«…andava João Antunes à caça, ouviu tropido. Atentou. Adiante do cavalo, umas centenas de metros, fugia espavoridamente um homem. Reconheceu: no cavaleiro João Brandão; no perseguido, um rapaz de Vila Cova – Manuel da Cruz. Num pulo de galgo, desceu, e, estribando-se na encosta, gritou:
-Tem-te Manel, que agora estou cá eu!
João Brandão dando pelo vozeamento desandou a galope.»
«-E se ele desse cabo do ti João?
-De mim…? De mim…?
-Às vezes… ele é tão mau!...
-A mim não mata ele! – trovejou João Antunes – Só se me apanhar a dormir, como os romanos ao Viriato. De frente, rachava-o eu primeiro. Nem se fazia preciso esta… - e batia na arma, a escumar fúria.»
Que há de verdade nesta ficção? Historiadores, e há-os da vida e obra de João Brandão, contestarão em absoluto o amedrontamento de João Brandão perante o nosso João Antunes. E quanto eu respeito a dedicação, mérito e trabalho dos que pelo estudo e rigor da história se entregam.
Mas aqui mais não quero ser do que um mero vilacovense. E parafraseando Amália também eu digo:
“Aquilo que eu não quero entender não vale a pena eu não entendo. O bonito é João Antunes ter atemorizado João Brandão.”
Nuno Espinal