O escritor Joaquim Leitão nutria por Vila Cova enorme afecto, revelado em alguns dos seus escritos, tal como o que o retirámos de um suplemento de uma Comarca de Arganil de 1945 e com o título, “A Rainha do Alva”,
Nesta sua peça literária, de que publicamos um curto fragmento, o escritor retoma a referência a João Antunes, “um verdadeiro sem pavor”, que nunca permitiu que a senha assassina de João Brandão se intrometesse em Vila Cova.
A reter a alusão ao número de habitantes da então Vila Cova, quase o triplo do de hoje.
Nuno Espinal
Falo-lhes hoje da Beira, coração de Portugal, da paterna terra minha – Vila Cova do Alva.
Algumas décadas havia que não punha os pés nestas serras aonde o preito pelos avoengos me levou agora, num deslizar de Outono, a gozar-me de umas breves férias que a fortuna “não deixa durar muito”. Rejeitei inúmeros convites para centros de turismo, para quintas e herdades. Refugi para este bendito recanto onde há o sossego e o silêncio que se invejam nas estampas da Terra Santa. O ruído, seja folgança, seja arfar da cidade, é jurado inimigo de quantos levam vida intensa, desgastador de toda e qualquer vida produtora. Há poucas semanas fez-se uma curiosa experiência, rodeada de todo o cauteloso rigor de observação científica. Isolou-se um núcleo de trabalhadores rurais e observou-se o trabalho que produziam. Levou-se essa gente para a New-York e verificou-se que o rendimento do trabalho era vinte por cento menos.
Férias quer dizer silêncio. Onde encontrá-lo? Encontrei-o afinal neste sector do presépio beirão, na minha querida Vila Cova de Sub-Avô, que há anos a esta parte, para sacudir o jugo da partícula, entendeu adoptar o apelido “d’Alva”, que legitimamente tem no seu livro de costados.
Porque é de notar que neste aglomerado, que pode contar cerca de trinta fogos e pouco mais de quinhentas e cinquenta almas, nunca houve nem há a noção do medo ou da dependência.
O famoso João Brandão, que da façanha política resvalou, por velocidade adquirida, à vida aventurosa de quadrilheiro, depois de se arruinar, era de por aqui perto. Benfeita, Avô, Coja, experimentaram-lhe o arbitrário poderio. Não há netas várzeas em redor árvore coeva que não tivesse estremecido com a vibração dos seus zagalotes. Com Vila Cova ele nunca se atreveu. Vinha aqui, sim, mas de visita, recebido pelo Sr. Dr. Sebastião de Brito, que não dava crédito à lenda que já ia a resvalar no pleno crime, o homem que fora esteio de Rodrigo da Fonseca, o elegante, de boa presença e boas maneiras que em sua casa obsequiava e encantava. E daí o guardar-se de lhe fechar a porta.
Mas quando à gratidão que, à distinção do Dr. Sebastião de Brito, João Brandão nunca se esqueceu que devia, não bastasse, havia cá na terra homem para ele – João Antunes. Rentou-o João Brandão para as suas hostes. João Antunes nem lhe votou nas listas nem lhe pegou depois nos bacamartes. João Brandão odiava-o. Mas temia-o. E João Brandão a cavalo e João Antunes, numa encosta, quem desandava a galope era o homem que foi o terror das Beiras, o João Brandão, que a política condenou depois de lhe oferecer um posto no exército regular e de o ministro do reino o mandar louvar em carta autografa. Rescaldos das lutas liberais.
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