Nas carradas de lixo, retiradas da Igreja da Misericórdia, aquando da limpeza que precedeu a Entronização, foi encontrado o cadáver de um cão que, pelo aspecto, denunciava já estar morto há muitos anos. A cena foi tão mais confrangedora quanto a imaginação permitiria reconstituir o sofrimento atroz do cachorro na sua agonia face à fome e à sede.
O cachorro foi vítima do abandono daquele espaço. Supõe-se que terá entrado quando a porta foi aberta para ser guardado o pendão ou a bandeira e lanternas após uma procissão ou um funeral.
Depois foram dias ali fechado e fatalmente acabaria por sucumbir. Foi encontrado no coro, aonde há muito ninguém subia por falta da escada de acesso, em madeira, que foi retirada há já bastantes anos, porque não oferecia condições de segurança.
Esta cena dá ideia do desprezo a que o edifício foi condenado e do evolutivo estado de degradação em que se encontrava.
É altura de contrariar esta tendência. Há quem diga, contudo, que mais prioritários em obras de restauro e requalificação sejam as Igrejas Matriz e do Convento. Talvez tenham razão. Mas dessas não nos cabem nem direito nem dever. São património integral da Igreja. Já da Misericórdia o caso é outro. Aos cuidados devidos, acreditem, não nos furtaremos. Pelo menos, tudo vamos tentar.
Nuno Espinal