Afoito-me, uma vez mais, a questionar os critérios que determinaram a posição da Igreja, ao recusar a utilização da Igreja do Convento, na cerimónia de Entronização do III Capítulo da Confraria do Bucho em Vila Cova. E faço-o, entre outras razões, porque me recuso ao temor reverencial, que parece tolher a voz e os comentários de alguns, mantendo-me sempre, contudo, no respeito a que nunca me coibi, até porque não deixa de me pesar a minha vertente católica. Vem isto a propósito da recente autorização, por parte do Episcopado de Coimbra, de que na Igreja Matriz de Coja fosse realizado um espectáculo musical integrado na programação de aniversário da Filarmónica “Pátria Nova”.
Diz o Cânone 1210 (Código de Direito Canónico), arremesso invocado na recusa de utilização da Igreja do Convento:
“No lugar sagrado apenas se admita aquilo que serve para exercer ou promover o culto, a piedade, a religião; e proíbe-se tudo o que seja discordante da santidade do lugar. Porém, o Ordinário pode permitir acidentalmente outros actos que não sejam contrários à santidade do lugar.”
Ora, poderia a Igreja proibir todo e qualquer acto não sagrado, posição provavelmente radical mas legítima, atendendo ao preceito. Mas não tem sido, o cânone assim o permite e ainda bem que assim é, este o procedimento.
Os templos católicos, pela sua acústica, pelo ambiente de intimidade e de reflexão, pela sua imponência interior são espaços desejados para a realização de certos eventos. Compreende-se que haja dos responsáveis da Igreja receios de utilizações que venham perturbar o espírito sagrado que, nos templos, nunca poderá e deverá ser desvirtuado. Mas, então que se criem regras, regulamentação, que se devem, no mínimo, à sociedade católica, atendendo à responsabilidade que incumbe à Igreja face à sua missão pública. Regras e regulamento que nos digam o que pode ou não ser autorizado, para que não subsistam dúvidas e interpretações erradas quando, a pedidos de permissão, as respostas forem de indeferimento.
Autoriza-se, por exemplo, na Igreja de Folques, em utilização permanente do culto, a exibição da “Ópera do Malandro” de Chico Buarque e o “Auto da Maria Parda” de Gil Vicente. Recusa-se a cerimónia da entronização na Igreja do Convento, raramente utilizada ao culto.
Dualidade de critérios ou será que a Confraria do Bucho tem na prática actos contrários à santidade requerida?
Nota pessoal: o grupo “Os Ensaios da Noite”, que se exibiu ontem na Igreja Matriz de Coja, pela sua muita qualidade, é uma das preciosidades culturais do concelho, e pelo qual tenho a maior admiração.
Nuno Espinal