Quando um dia, na sala dos serviços administrativos da Santa Casa, estava ocupado com uma qualquer tarefa, alguém irrompeu de repente e interpelando-me de modo determinado e vigoroso, quase vociferou:
-“O Sr. é que é o Provedor? Estou aqui para reclamar. O comer que me levam a casa não chega. Exijo mais.”
Confesso que fiquei um tanto atordoado, já que o interpelador me surpreendeu, não só pela sua intempestividade, como, apesar da idade, pela energia e vozeirão.
Refeito do impacto inicial, lá consegui saber da identidade. Tratava-se de um utente do apoio domiciliário, de Vinhó.
“Albertino Antunes, não me conhece? Tenho 84 anos”.
Normalizado o meu estado emocional, lá foi possível algum diálogo.
-“Oh Sr. Albertino, confesso que não percebo. Toda a gente elogia o comer do Centro de Dia e nunca ninguém se queixou da quantidade…”
-“Mas, eu por mim também não me queixo. Para mim até chega…o problema é o meu cão…não quero que passe fome.”
Foi, para mim, e para quem não seria, o segundo atordoamento do dia e logo de rajada.
-Comida para o cão Sr. Albertino? Do Centro de Dia?
-Claro, o Farroscas é a minha companhia…
Confesso que um rápido clique me fez entender o Sr. Albertino. Só que o coração terá solidariedades que o Estado não pode ter.
Hoje o Sr. Albertino fez 85 anos de idade. Muitos Parabéns, amigo, conte muitos mais…e, já agora, o Farroscas também.
Texto: Nuno Espinal
Fotos: Carla Marques