Das “artes” sempre elegi a literatura, a poesia e a música. E foi pela paixão pela música que cheguei à paixão por Cabo Verde, corria o ano de 1985. Mornas, culaderas e funanás, o Travadinha, que da rabeca brotava música como quem respira. Depois a literatura e a poesia, o “movimento da claridade”, movimento impar na história da literatura caboverdeana.
Ganhei algum saber e confiança que me permitiram escrever um texto que apoiou um videograma sobre os emigrantes caboverdeanos em Portugal. Valeu-me o texto uma viagem de quinze dias a Cabo Verde, oferta da própria embaixada daquele país.
Nestas andanças e acasos conheci gente, muita gente. De todos destaco Kiki Lima, principalmente pintor, mas também jornalista, músico, compositor, cantor, poeta e escultor. Tornámo-nos amigos, amizade a sério, daquelas de cumplicidades. Um dia trouxe-lhe, para Queluz, onde residia, um bucho de Vila Cova. Ficou fascinado. “Isto é magnífico pá, isto é divino.”
Mais tarde tornei a repetir o gesto. Em véspera de partida resolveu, então, levá-lo para Cabo Verde. Contou-me depois que o bucho, o nosso bucho, foi apreciado, nas terras da cachupa, como um manjar dos deuses. O nosso bucho, o bucho de Vila Cova.
Kiki Lima dedicou-se em exclusivo à pintura. Hoje reside em Cabo Verde, mas a sua vida continua sem parança, em permanente caminhada. Tem exposto em todo o mundo. De quando em quando telefonamo-nos. Ainda ontem: Então o bucho pá? – perguntou-me. Logo lhe respondi: Bucho só há um, o de Vila Cova e mais nenhum. Rimo-nos, claro.
Obriga-me a condição a uma referência. É que, e com muita honra e orgulho o digo, sou membro da “Confraria do Bucho de Arganil”. Por tal, como confrade que prezo ser, não devo calar o bucho de Folques. E vá lá, até o da Benfeita.
Cumpro, assim, o meu dever de confrade. Mas, que querem? Isto já começa a ser patológico. É uma frase que me persegue, não me abandona, que me matraquilha a cabeça:
“Bucho, só há um, o de Vila Cova e mais nenhum.”
(Imagem: reprodução de tela a óleo de Kiki Lima)
Texto: Nuno Espinal